Faces da morte
Ao longo da História, as formas de sentir e pensar o fim da vida oscilaram entre a angústia e a resignação e foram tão diversificadas quanto as respostas dadas pela Filosofia.
POR CLÓVIS PEREIRA

"A morte não é um acontecimento da vida. Não há uma vivência da morte. Se se compreende a eternidade não como a duração temporal infinita, mas como atemporalidade, então vive eternamente quem vive no presente, A nossa vida é infinita, tal como nosso campo visual é sem limites."LUDWIG WITTGENSTEIN (1889 – 1951) TRACTATUS LÓGICO-PHILOSOPHICUS, 6.4311.
Tal trabalho teria que contemplar todas as inúmeras áreas do pensamento humano que invariavelmente pensaram a morte como objeto de seus estudos. Em outros termos, devemos nos lembrar que a morte aparece, por exemplo, na Antropologia como algo a ser representado, ritualizado; seria assim um estudo dos rituais de morte, o que não é pouca coisa e, em boa medida, implicaria toda a história e historiografia antropológicas.
Todavia, perceber que a compreensão da morte constitui um enigma para a civilização não é mérito desses saberes bastante modernos como a Antropologia, a Sociologia ou a Psicanálise. Antes dessas especializações recentes, a cultura já buscara respostas sob outros pontos de vista.
FILOSOFIA: À PROCURA DA MORTENa raiz do pensamento dito ocidental e em toda história da filosofia, a morte sempre evocou as mais complexas discussões. Para os pré-socráticos, ela abrange a existência humana. Heráclito (540 a.C. - 470 a.C), por exemplo, parece inserir a morte em sua concepção cosmológica de oposições complementares. De tal forma que a morte é condição da vida. Assim, “cumpre admitir que a vida da alma individual, segundo Heráclito, termina na morte. A vida dos seres vivos na terra é efêmera, remetendo depressa à radical conclusão desta vida” (Huisman, p. 489). Chamado por alguns de “o obscuro”, Heráclito partiu, em seu pensamento, que atravessou os séculos apenas fragmentado, do ponto ao qual almejamos chegar: não se fala de vida se não pela morte, não se compreende a morte se não pela vida.
Platão (428 – 347 a.C), a seu turno, rompe com essa concepção da morte negando sua plenitude. É a origem do conceito de dissociação alma-corpo. Entre seus Diálogos encontra-se a famosa resposta de Sócrates, resoluto ante a iminência de sua morte, ao aborrecido Cebes: “É chegado o momento que eu exponha a vós, que sois meus juízes, as razões que me convencem de que um homem, que haja se dedicado ao longo de toda sua existência à filosofia, deve morrer tranqüilo e com a esperança de que usufruirá, ao deixar esta vida, infinitos bens” (Platão, Fédon, p. 124).
AS ÚLTIMAS PALAVRAS DE SÓCRATES:
“Críton, eu devo um galo a Asclépio, vais lembrar de pagar a dívida?” segundo o livro de Platão, Fédon. Asclépio era o deus grego relacionado às curas medicinais.
Evidente que esta é uma forma de encarar a morte bastante oposta àquela anterior, dos pré-socráticos, já que, em sua essência, não há morte, se não transição. O mérito moral atribuído a Sócrates está em considerar o ato rigoroso da Filosofia como uma preparação para a morte. Todavia, essa morte, em que à alma destina-se uma nova vida, é antes uma recompensa ao sábio, do que a cessação plena de suas possibilidades de existência.

MONOTEÍSMO E A BUSCA PELA IMORTALIDADE
Essa concepção dita ‘platônica’ viria, em alguma medida, influenciar posteriormente a escolástica, para a qual a morte - transição para um além - implica em punição ao pecado original. As exegeses agostiniana e tomista sobre a filosofia clássica (predominantemente acerca de Platão e de Aristóteles) cooperaram para assentar as bases da cultura do Ocidente tornando a morte um tema exclusivo ao saber religioso, cujo nome não deve ser dito sem reverência a uma outra vida. Morte: uma punição do Outro divino, ao qual o sujeito desejaria identificar-se na busca pela negação das inúmeras privações impostas pela existência humana desde a queda do jardim do Éden. Bem sabemos que, desde a Alta Idade Média, essa verdade fortuita serviu à perpetuação dos modelos enrijecidos da sociedade estamental. Oratores, pela graça de sua relação com Deus, impuseram um sistema bastante restritivo de trabalho aos servos Laborattores, segundo a lógica da promessa na vida porvir (Santo Agostinho, A Cidade de Deus). Esse desdobramento feudalista do entendimento escolástico sobre a vida (e sobre a morte) é o que levaria, no século XIX, pensadores materialistas à conclusão crítica (para não dizer rancorosa) de que a religião não era se não ‘o ópio do povo’. Como o ópio ilude a realidade, a religião – por negar a morte – ilude a vida.
A chamada Segunda Revolução Industrial abre novas e assustadoras possibilidades de pensar a morte
O Renascimento, a seu turno, ressignifica a relação do homem com a morte a partir de uma concepção antropocêntrica. Deus é natureza, logo também haverá integração da morte à vida; é do ciclo vital de que se fala aqui. Essa forma de pensar está muito bem materializada na concepção monista do universo evocada por, entre outros, Leibniz. Se deus ex machina, vida e morte também.INDÚSTRIA E MORTE
Já no século XIX, a chamada ‘Segunda Revolução Industrial’ abre novas e assustadoras possibilidades de pensar a morte. O Materialismo dialético alerta para a morte sem sentido, repleta de angústia e alheia à simbolização ritualística, engendrada pelo capitalismo. O Grito, de Munch, é uma das sintomáticas imagens desse medo inefável.
Morrer é agora um inconveniente para o bom andamento da produção. A luta de classes tornase a reação necessária à exploração burguesa, cujo desejo cumulativo de mais-valia subverte, ao proletariado, qualquer chance de vida. Assim, viver fora do projeto socialista é o mesmo que morrer homeopaticamente nas mãos das elites proprietárias dos meios de produção. Em 1848, Marx proclama sinteticamente que ‘a história da humanidade, desde o princípio dos tempos, não é se não a história da luta de classes’ (parágrafo inaugural d’O Manifesto do Partido Comunista). Desdobrado dessa assertiva, o fim da burguesia, concebido por diversos caminhos segundo a subjetividade daqueles que se auto-proclamaram marxistas, apresentava-se como uma inexorável e iminente verdade histórica. Ignorar a religião e uma pósvida – promessas burguesas – era condição fundamental para a liberdade humana. Alienação era, assim, a ignorância do proletariado acerca dessas estruturas de dominação.SUICÍDIO E FALTA DE SENTIDOA Sociologia parece dever seu nascimento formal a um desses estudos ditos clássicos, qual seja: O Suicídio (Durkheim, 1ª ed. 1897).
Durkheim, após analisar possíveis causas, características e as técnicas envolvidas no gesto suicida, após traçar inúmeros perfis para os suicidas, conclui pela vinculação deste ‘problema social’ a algo inerente à civilização.
Afirma ele que “assim como o suicídio não decorre das dificuldades que o homem possa ter para viver, o meio de deter seu avanço não é tornar a luta menos dura e a vida mais fácil. Se hoje as pessoas se matam mais do que outrora, não é porque para nos manter devamos fazer esforços mais dolorosos nem porque nossas necessidades legítimas sejam menos satisfeitas; é porque já não sabemos até onde vão as necessidades legítimas e não percebemos mais o sentido de nossos esforços”.
Esta passagem que compõe uma parte da conclusão de Durkheim parece tangenciar aquilo que, anos depois, em 1929, mais precisamente, Freud consideraria um ‘mal-estar’ inerente à cultura.
Alguns anos antes de Marx, Gracchus Babeuf, líder da Revolta dos Iguais, “primeira revolta comunista da história” (Hobsbawm, A Era das Revoluções, p. 75) incorporou, como lema daquele movimento, uma das mais sintomáticas frases vindas do jacobinismo mais extremo da Revolução Francesa, durante a crise do Diretório, às vésperas do 18 do Brumário, qual seja: que ‘só haverá liberdade no dia em que o último burguês for enforcado nas tripas do último padre’. Bastante comum então, essa máxima esteve presente em panfletos divulgados até mesmo no movimento independentista brasileiro de 1798, a Conjuração Baiana.
Essa percepção de que a liberdade do escravo exige como paga a morte do senhor, assim formalizada ao longo das revoluções liberais dos séculos XVIII e XIX, forneceu, por suposto, muito material para a composição da dialética dita hegeliana, do senhor e do escravo. Pois, num certo sentido, não apenas o reconhecimento de um confirma a posição do outro, senão a morte de um é que infla de sentido a vida do outro. É preciso que o escravo morra aos poucos para que o senhor creia-se vivo. Ato contínuo, é preciso sonhar a morte do senhor para haver sentido na vida do escravo.

O RETORNO CONTEMPORÂNEO AOS PRÉ-SOCRÁTICOS
Uma outra das mais impressionantes sínteses da forma filosófica de pensar a morte nesse século XIX é o impropriamente chamado ‘pessimismo’ de Schopenhauer para quem “a morte não passa de uma ilusão fenomênica. Põe fim à vida, mas não à existência, uma vez que, longe de nos aniquilar, leva-nos de volta ao nosso estado original, o da coisa em si” (Huisman, p. 902).

Schopenhauer não evoca o extremo narcisismo romântico do amor irrealizável
Claro está que são difíceis de analisar (fora de um contexto estritamente filosófico) os significados atribuídos por Schopenhauer às expressões ‘recordemos com satisfação nossos amigos falecidos’ ou ainda, encarar a própria morte como um acontecimento ‘desejado’. Todavia, se numa leitura condicionada pela perspectiva anterior, do Romantismo, descortinamos um pessimismo latente (outro nome para a vaidade do melancólico), os estudiosos sistemáticos da obra de Schopenhauer parecem encontrar ali, no sentido e não na letra, uma busca de harmonia na dualidade vida-morte.
Assim, Schopenhauer, ao sobrepor a filosofia kantiana que o precedera aos livros sagrados dos hindus, aponta para uma forma de relação do homem com a morte análoga àquela dos antigos gregos, de Heráclito em particular. Vemos dessa maneira pois, desde Platão, a filosofia tendeu, a grosso modo, a negar a morte como cessação das potencialidades vitais do sujeito. As filosofias atravessadas pelo dogma cristão não escaparam a isso. Por outro lado, Schopenhauer reintegra a morte à vida, tal qual Heráclito.
SER PARA A MORTE NO SÉC. XX
Não foi, todavia, Schopenhauer que formalizou esse retorno à concepção pré-socrática acerca da morte. Na primeira metade do século XX, encontramos o pensador que muito sistematicamente refletiu sobre a morte, sintetizando o que houvera antes da história clássica aos desdobramentos históricos do século XX. Martin Heidegger, no primeiro capítulo do segundo volume de Ser e Tempo (2000) discute um dos temas que consagraram sua obra à história da filosofia: o ser-para-a-morte. “Tentação, tranqüilização e alienação caracterizam, porém, o modo de ser da de-cadência. Decadente, o ser-para-a-morte cotidiano é uma permanente fuga dele mesmo, O ser-para-o-fim possui o modo de um escape permanente, que desvirtua, compreende e entranha, impropriamente que a presença de fato sempre morre, ou seja, é para o seu fim. Isso fica velado na medida em que se transforma a morte num caso da morte dos outros, que ocorre todos os dias e que, de todo modo, nos assegura com mais evidência que ‘ainda se está vivo’”. (Op. cit p. 37)
Encontraremos na obra de Freud os modelos que apontam para a pulsão de morte como um dos pilares integrantes do ser vivo
Há um não-querer-saber da morte na atualidade que aliena o sujeito da própria vida. Essa ditadura do consumo parece afirmar que falar de morte, fugindo à promessa de completude objetal capitalista, é uma morbidez a ser rejeitada, ocultada. Heidegger confirma essa colocação ao considerar que “escapar da morte encobrindo-a domina, com tamanha teimosia, a cotidianidade que, na convivência, os ‘mais próximos’ freqüentemente ainda convencem o ‘moribundo’ que ele haverá de escapar da morte e, assim, retornar à cotidianidade tranqüila de seu mundo de ocupações” (Ibid.,p.36).

O JUDEU E O NAZISTA ENCONTRAM-SE NO FIMO filósofo alemão, que teve sua obra ofuscada por acusações de conivência com os nacional-socialistas, foi contemporâneo de um dos expoentes da cultura judaica, cuja vida foi severamente marcada pelas perseguições anti-semitas: Sigismund Schlomo Freud (como grafado na certidão de nascimento, conforme nos relata Peter Gay em Freud, Uma Vida para Nosso Tempo p. 22). Embora contemporâneos, não viveram a mesma cultura. A judeidade de Freud, identificação cultural anterior ao seu ateísmo, impossibilitaria contatos com um filósofo alemão filiado ao partido nazista.
Ainda assim, encontraremos na obra de Freud, particularmente na chamada psicologia profunda, os modelos epistemológicos da psicanálise que, já nos anos da Primeira Grande Guerra, apontam para a pulsão de morte como um dos pilares integrantes do ser vivo. Coragem, erudição e o fato de elegerem a morte como propósito constituinte da vida e aspecto fundamental em suas estruturas de pensamento estão entre as causas dessa junção de dois pensadores tão próximos no tempo e na geografia quanto distantes na condução de suas vidas.

Desdobrada dessa mesma linha de pensamento, vemos em O Futuro de Uma Ilusão (1927) a localização dos discursos religiosos como essencialmente neuróticos, haja vista as inúmeras privações impostas ao sujeito em troca da promessa de uma anulação da morte, de uma vida após a morte. Sofra hoje, goze no além.
Sem recorrer à obra heideggeriana, da qual a sua própria era contemporânea, Freud trabalha a questão da morte como o entorno que valoriza a vida, tal qual um ser-para-a-morte. E sem ser marxista, aponta na religião “o ópio do povo”.
Após a Primeira Guerra Mundial, quando a mortalidade chegou pela primeira vez a níveis industriais, os hospitais difundiram-se na cultura ocidental como lugar da morte, antes ocupado tradicionalmente pela casa do indivíduo.
Assim, naquilo que se refere à relação do homem dito civilizado com a morte, o século XX assistiu a síntese de toda a produção cultural ocidental na obra, e mesmo na vida, de Freud.
O ESTRANHO OBJETO DO ROMANTISMO
O Romantismo cria novas concepções filosóficas acerca da morte. Morrer torna-se o peso insustentável da vida, um fato a ser enfrentado por mentes privilegiadas, capazes de sentir a densidade da ruptura entre o ser natural e a sociedade. Rousseau consolida esse novo paradigma do pensamento segundo o qual a ‘idade do ouro’ do homem perdera-se e ficara junto aos selvagens e às crianças, para além do velho mundo, desgastado pelas revoluções ‘da primavera dos povos’. É o nascimento da concepção, tão atual, de que vida é angústia, dor de viver.Os sofrimentos de Werther (Goethe, 1774) será o modelo a ser copiado pela juventude romântica. Morrem de amor, vaidosos com suas calças amarelas à imagem de Werther, o mocinho cujo destino é, no amor, não ser correspondido. No Brasil, a segunda geração da poesia romântica terá escritores como Álvares de Azevedo, para os quais a morte, a juventude e a tuberculose – esta última freqüentemente engendrada pelo ópio – sobrepõem-se dando um mórbido sentido à vaidade irrestrita dos sonhos românticos. Morrer é belo. O ideal de amor de Werther encontra equivalências nos sentimentos de nosso ‘poeta da morte’ em relação à sua mãe e sua irmã. Irrealizáveis, tais amores apontam para a completude desejada pelo amante, possível apenas uma outra vez após nascer. Apenas uma outra vez.
Acerca de Álvares de Azevedo, Carlos Heitor Cony certa vez questionou se “ele, o noivo da morte, teria namoradas na vida real? Como explicar seu amor exacerbado pela irmã e pela mãe? Sem ser um estudioso do assunto, acredito que Álvares de Azevedo, dominando línguas, adquirindo uma cultura espantosa para a sua idade e para seu tempo, exerceu com lucidez aquilo que é chamado de ‘sexo dos anjos’ cujo limite seria a posse da morte, com a qual não chegou a noivar, uma vez que logo se tornou amante dela e de sua inexorabilidade”.
FESTIM SOBRE A MESA FREUDIANA
Os autores, e foram muitos, que ao longo da segunda metade do século XX escreveram seriamente sobre a morte são devedores da obra freudiana. Todavia, nem sempre pagaram os devidos créditos bibliográficos a esse profícuo credor da cultura dita pós-moderna. De que, no entanto, poderia lamentar-se o pai cuja cria transcendesse o tempo de sua humana existência apontando, assim, a outros campos do saber?
Os conceitos sistematizados por Sigmund Freud acerca da morte foram, graças a isso, deglutidos num enorme festim totêmico de autores da segunda metade do século XX. Para bem ou para mal, apropriaram-se de Freud; identificando-se com ele mesmo quando o declaravam superado. Ato contínuo, essa horda intelectual pós-moderna afirmou sua importância desmerecendo, por vezes, o pai que os precedera.
A enorme quantidade de obras acerca da morte daí resultantes nos obrigou, ou pela fecundidade dos autores ou pelas limitações de quem pesquisa, a mencionar apenas uma parcela do todo que se produziu.
Entre esses autores, destacamos Herbert Marcuse, cuja obra Eros e Civilização (1ª ed. 1958). Também Edgar Morin, autor de inúmeros temas, discorre sobre a morte em O Homem e a Morte (1ª ed. 1951).
Jean Baudrillard afirma que o trabalho proletário ocupa o lugar substitutivo, não da escravidão antiga, como depreendemos da leitura marxista, mas da morte do inimigo capturado. Não matamos mais nosso inimigo, exaurimos suas forças nos apropriando da mais-valia de seu trabalho. Crítico severo da sociedade de consumo, Baudrillard também ataca, no modo de produção capitalista, a negação da morte como entorno simbólico para ressignificar a vida.HIGIENE E NEGLIGÊNCIA

Ariès indica, na sociedade ocidental contemporânea, uma crescente negligência acerca da morte. A sociedade higienicista do século XIX e as Grandes Guerras Mundiais do século XX afastaram as pessoas de seus mortos, negando a própria transitoriedade da vida. Sem recorrer sistematicamente à Psicanálise ou à Filosofia, Ariès confirma, pelo viés da pesquisa histórica, o que fora teorizado por Freud ainda durante a Primeira Guerra Mundial.
Michel Volvelle foi capaz de efetivar com relativo êxito o obtuso casamento das mentalidades com o marxismo e tem ao menos dois textos fundamentais sobre a questão da morte. Um ensaio inteligentemente intitulado A História dos Homens no Espelho da Morte (1982) e o livro Imagens e Imaginário na História: Fantasmas e Certezas nas Mentalidades desde a Idade Média até o Século XX (1997).
O jesuíta francês, que faleceu em 1986, inicia seu texto sobre a morte descrevendo uma cena contemporânea bastante sintomática para nossos propósitos: “Quando se aproxima a morte, o pessoal do hospital se retira. ‘Síndrome de fuga da parte dos médicos e das enfermeiras’. O afastamento é acompanhado de senhas cujo vocabulário coloca já o vivo na posição de morto. ‘Ele precisa descansar... Deixem o doente dormir’. É preciso que o moribundo fique calmo e descanse. Além dos cuidados e dos calmantes necessários ao doente, esta senha põe em causa a impossibilidade, para o pessoal hospitalar, de suportar a enunciação da angústia, do desespero ou da dor: é preciso impedir que se diga isso” (CERTEAU, 1994 ).
Reparemos que Certeau, um lacaniano cioso dos signos que usa, destaca palavras fundamentais nessa cadeia significante que faz o entorno da negação da morte: descansar, dormir, acalmar. Não há acaso na apropriação que o desejo faz sobre a linguagem. Essas palavras apontam para a morte, buscando negá-la. Impor calma, descanso e sono a quem não os têm apriori implica em recalcar o significante original que se impõe pela inexorabilidade do real: vai morrer. É isso que não se pode dizer, pois implicaria “suportar a enunciação da angústia, do desespero ou da dor.

Estaria de acordo com o tempo em que vivemos alterá-lo para:’ Si vis vitam, para mortem’. Se queres suportar a vida, prepara-te para a morte”. (Reflexões para Tempos de Guerra e Morte, 1915).
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